Escrever para não tuitar (05)

Gabriel Dudziak
4 min readJul 10, 2021

O tema das redes sociais sempre me desperta atenção. Já escrevi dois textos aqui falando sobre isso. Um fala sobre o funcionamento das redes e a necessária constatação de que “nós não somos assim”. Outro versa sobre a cultura do cancelamento, que encontrou terreno muito fértil nas plataformas que propõem sociabilidade, mas que na prática trazem muito mais antissociabilidade e misantropia.

Hoje volto ao tema sob uma ótica mais personalista:

Praticamente não consigo mais tuitar.

A razão é o aquilo que se tornou a plataforma e como os donos dela fizeram o mesmo que o nosso magnânimo presidente da república fez pra CPI e pro povo brasileiro: Cagaram.

Se antigamente se falava “não olhe os comentários dos portais”, hoje é “não olhe as respostas aos tuítes”. Todo o esgoto que você possa imaginar está por lá… E não é só nas respostas ao noticiário e aos grandes portais e pessoas públicas. É qualquer coisa.

Tuíte sobre o jogo de futebol: seja xingado e ironizado.
Tuíte sobre um jogador: seja xingado e ironizado.
Tuíte sobre um clube: seja xingado e destruído por uma horda de fãs que vão pedir sua demissão.
Tuíte sobre privatização dos correios: seja xingado e chamado de bolsonarista.
Tuíte sobre eficácia de vacinas: seja taxado de negacionista.
E por aí vamos…

Estou exagerando? Sim, estou. Mas o meu sentimento é esse e isso me impede de escrever qualquer coisa na rede sem ponderar milhares de vezes que tipo de reação vai gerar e onde vão chegar os meus 240 caracteres. Era pra ser assim? Em alguma medida sim, pois a vida real é dessa forma (você tem que pensar antes de falar e lidar com as consequências), mas não com essa viralidade, virulência e violência.

Gurus da auto-estima e da iluminação dirão: ignore os trolls e seja você.
Eu gostaria disso, juro! Mas não vejo sentido mais em tuitar para ter que ignorar as respostas. Ou ter que ficar verificando as mentions a cada cinco minutos pra ver se caí numa rede de ódio qualquer. Por isso tenho tuitado apenas a divulgação dos meus trabalhos na rádio e neste espaço. Como se fosse um feed mesmo…

Aliás, lá em 2009 (criei minha conta no Twitter em julho daquele ano) o mais legal era justamente ter uma timeline com amigos e fontes para notícias e artigos interessantes. Antes do Twitter eu usava aqueles agregadores de feeds que te enchiam com milhares de artigos e você nunca conseguia ler o bastante. A rede social ajudou demais nisso, além de ter me auxiliado nos afazeres jornalísticos com a possibilidade de proximidade com figuras públicas e pessoas outrora inacessíveis. Isso ainda é possível no Twitter, obviamente, mas com o tempo o perfil da plataforma foi mudando para a rede de ódio que conhecemos hoje.

As pessoas começaram a criar perfis falsos, chegaram os bots e com a disseminação da plataforma como “praça pública” (o que é positivo) o que antes era um ambiente de convivência virou um ambiente de toxicidade, raiva e indignação.

Para entrar no Twitter você tem que vestir dois coletes à prova de bala, capacete e se armar até os dentes para a guerra. Bem diferente daquele clima de antes que era de descontração e conversa.

Estou parecendo um velho saudosista falando disso ou uma pessoa tendenciosa que achava que só a minha bolha era boa, eu sei… Mas eu vejo muita gente dizendo “saí do Twitter e foi a melhor coisa que eu fiz” ou então “eu entro no Twitter pra passar raiva”. Sei de muitos colegas que também se abstêm de falar para “evitar problemas” e assim vamos…

É algo estúpido ter que ficar com isso na cabeça para poder abrir a boca sobre qualquer coisa. Eu acho, ao menos…

Eu queria sair também, mas essa parte do feed e da divulgação de trabalho ainda é importante para mim. Como eu chego nas pessoas? Como elas conhecem meu trabalho? Como eu vejo o trabalho das pessoas?

O melhor dos mundos seria ter uma plataforma nova que fizesse as mesmas coisas, mas com um ambiente minimamente controlado. Não se trata de censura ou de proibição, mas sim de responsabilização. Para que alguém não possa criar centenas de contas falsas e promover uma campanha de difamação contra você. Pra que o cidadão não possa te xingar do que quiser, ameaçar e sair impune…

Bom, o próprio Twitter poderia fazer isso mediante um sistema mais eficaz de monitoramento de posts e denúncias. Mas eles não fazem… Demoram uma eternidade para avaliar as denúncias, permitem que desinformação seja propagada e não se preocupam em nada com a saúde do ambiente que eles administram. Inclusive, a notícia mais recente fala que o próximo projeto do Jack Dorsey é “lançar posts exclusivos para melhores amigos”… Pois é.

Enfim, que uma companhia seja inescrupulosa não deveria nos surpreender, mas que não haja reação, que ela não seja obrigada a se mexer ou se adequar sim… O impacto que o Twitter e outras big techs têm na sociedade e na humanidade é gigante! Para além de eleições e extrema direita, o que as redes estão fazendo é deturpar a relação entre pessoas… Não tenho método científico para dizer, mas percebo gente funcionando “na vida real” como tuíta, instagrama, facebooka e whatsappeia ou whatstapeia…

Bom, falei, falei, falei e quero falar mais sobre isso… Vou escrever de novo em breve.

PS1: Terminei de ler o primeiro livro do “Guia do Mochileiro das Galáxias”. Era uma falha do meu currículo. Humor inglês de alto nível. Recomendo pra quem gosta de ficção científica.

PS2: Vou deixar uma foto nova do meu viking no Valheim. Estamos progredindo para armaduras de bronze e barcos bonitos agora!

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