Redes sociais em debate: nós não somos assim!

Gabriel Dudziak
8 min readJul 6, 2020

Quem me acompanha no Twitter sabe que as redes sociais e suas dinâmicas, efeitos, causas e consequências são um dos meus temas favoritos de debate. Por mais incoerente que possa parecer, eu me nutro e desprezo-as.

Tenho convicção de que muito do que consegui na minha vida profissional foi por meio das redes sociais, em especial o Twitter. Foi essa plataforma que me deu divulgação e notoriedade para escrever sobre futebol em uma época em que eu não era ninguém para as pessoas do meio. Por isso tenho a crença de que, se não fosse pelas redes sociais, eu provavelmente estaria trabalhando com hard news ou em alguma área que não envolvesse o jornalismo propriamente dito.

Isso, no entanto, não me impede de ver a natureza e o modelo de negócios do Twitter e das outras redes sociais. E por isso consigo ver o quão nocivas são as redes sociais para nossa vida e sociedade nessa última década. No fundo eu gostaria de não ter mais participação nenhuma nesse jogo… Mas a minha profissão nesse momento demanda isso. Demanda a divulgação. Demanda estar presente. Demanda saber o que os outros estão falando. Demanda ter ciência do que clubes, governos, políticos, torcedores e outros jornalistas estão fazendo nesse espaço. Então eu fico no Twitter, embora desde fevereiro eu não esteja mais — em linhas gerais — dando opiniões sobre futebol. Tenho usado o perfil como divulgação de trabalho e observações sobre política, coronavírus, humanidade e—pasmem — redes sociais também!

Toda essa introdução para dizer que gostaria de escrever um pouco sobre o que eu penso e vejo das redes sociais em 2020. Não sou especialista em comunicação, não tenho uma base teórica vasta que alicerce os meus pensamentos e nem tenho nenhum enfoque totalmente original sobre o tema. Tudo o que eu escreverei aqui vem do compilar e colar, principalmente tendo como base o livro “Dez argumentos para você deletar agora as suas redes sociais” escrito por Jaron Lanier.

“A diretriz principal de gerar engajamento se retroalimenta e ninguém percebe que as emoções negativas são mais amplificadas do que as positivas. Emoções negativas, como medo e raiva, vêm à tona mais facilmente e permanecem em nós por mais tempo do que as emoções positivas. Leva-se mais tempo para construir confiança do para perdê-la”

- Jaron Lanier em Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais

Para falarmos sobre redes sociais de maneira minimamente aprofundada precisamos PARAR de dizer que elas apenas dão voz às pessoas. Sim, elas dão voz, mas elas principalmente ESTIMULAM comportamentos. Então não é o caso de olhar com tristeza para o que vemos no Instagram, Facebook e Twitter e dizer com pesar: “os seres humanos são assim”. Eles podem até ser assim em alguma medida, mas fora das redes eles não têm os mesmos estímulos para serem assim como têm dentro das redes.

Como Jaron Lanier aponta, o sucesso nas redes sociais é medido pelo engajamento. Essa é a premissa básica dos algoritmos de todas elas. Algo é “bom” e “bem sucedido” se gera muitas curtidas, muitos comentários e muitos compartilhamentos. Acontece que, como ele também pontua logo na sequência, emoções negativas vêm à tona com mais facilidade e permanecem por mais tempo do que as positivas. Então, sob esse ponto de vista, é natural que “coisas ruins” gerem mais engajamento do que “coisas boas”. Mesmo as piadas e os memes… Normalmente os que viralizam são os que fazem pouco de algo ou de alguém. Mais do que os risos que eles provocam, é a vontade de minimizar e ridicularizar alguém que faz com que essas postagens se deem melhor do que as outras!

Basta observar as reações da sua bolha às manifestações dos políticos e ídolos ou dos torcedores do seu clube de futebol quando ele ganha ou quando ele perde. Quando há mais postagens? Quando ganha ou perde?

E a cultura do cancelamento? Essa é uma das maiores motivadoras de postagens! É necessário mostrar desprezo, desacordo e punir quem não faz ou não segue o que gostaríamos! Olhe para o seu próprio uso das redes… O que te motiva mais a tuitar, compartilhar e escrever sobre? Algo legal que alguém fez ou o absurdo que você leu ou viu alguém fazer?

Digamos que você seja uma ótima pessoa e só sinta vontade de falar de coisas boas que você lê, vê e sente… Qual das suas postagens faz mais sucesso nas redes? A que você expressa gratidão ou a que você expressa revolta? Qual delas tem mais curtidas, compartilhamentos e comentários? Ou ainda… Se você tem dez comentários elogiosos a um tuíte e uma crítica… Qual deles você responde? Eu sei a minha resposta e eu não me orgulho disso.

“No entanto, os piores babacas recebem a maior parte da atenção e com frequência acabam determinando o tom da plataforma. Mesmo se houver algum recanto onde nem todo mundo é um imbecil o tempo todo, esse oásis parece encurralado porque os imbecis estão à espreita do lado de fora.

- Jaron Lanier em Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais

É também por isso que afirmações absurdas, ataques aos outros e posicionamentos que “vão contra a maioria” tem tanto engajamento. Uma frase estúpida gera revolta, gera raiva, gera vontade de contestar e gera compartilhamento de quem quer “desafiar” o status quo. Então, de fato, a rede estimula você a se comportar como um imbecil. Mesmo quem é esclarecido, progressista e limpinho já se viu às turras com alguém que não merecia resposta. A motivação muitas vezes é simplesmente mostrar poder ou ter seus instintos mais precários satisfeitos em caracteres furiosos. É isso que as redes fazem com a gente.

Mas voltando à premissa inicial do texto. Alguém poderia inferir que as pessoas são assim e ponto. Dentro das redes, fora das redes todas estão esperando para falar algo ruim de alguém ou reagir a estímulos negativos. Eu entendo, mas discordo. Porque fora das redes elas não são estimuladas a serem assim. Elas podem pensar assim, mas não são estimuladas a serem assim! Por mais que o bolsonarismo tenha distorcido um pouco essas linhas, a minha experiência ainda me diz que fora das redes o ideal e desejável— em linhas gerais — é que nós sejamos educados, gentis e até certo ponto indiferentes uns aos outros.

Escândalos em público não são comportamentos desejáveis na vida real. Criticar uma pessoa qualquer na rua não é algo desejável na vida real. Diminuir alguém pela aparência ou por algo que essa pessoa disse não é um comportamento especialmente valorizado na vida real. Discutir vigorosamente com alguém que discorda de você sobre algo não é desejável na vida real. Da mesma forma dificilmente alguém vai insistir em uma troca de argumentos rasos por muito tempo sobre qualquer tema na vida real. As pessoas têm mais o que fazer e não vão ganhar nada ao “vencer” uma discussão sobre política na fila do banco. Elas foram ao banco para pagar as contas e não para isso!

As motivações das redes sociais são outras. Você não está lá para pagar contas ou para fazer um trabalho bem feito. Você está lá para ver e ser visto. Quem quer ser visto entende rapidamente qual a receita do sucesso… Estou falando muito de Twitter aqui, mas vale para o Facebook e os textões revoltados ou de gratidão e vale também para o Instagram com fotos de realidades forjadas e felicidades exageradas.

É claro que há exceções e que há pessoas que fazem trabalhos exemplares nas redes. Longe de mim cometer o pecado da generalização. Meu interesse é falar mais das plataformas e do que elas estimulam e geram e menos das pessoas que estão lá. Em última análise muitos são vítimas e gostariam sim de ter outro jeito e dinâmica para se realizarem.

Então voltando… Em termos gerais, ser visto é o objetivo e gerar emoções negativas nos outros normalmente é um bom caminho para isso. Em suma: ser um babaca é muito mais vantajoso nas redes do que na vida real. Embora babacas também se deem bem na vida real…

O anonimato tem algo a ver com isso, mas muito mais a distância entre quem fala e quem ouve. Quem fala não vê a reação da pessoa que escuta/lê e também por isso se sente muito mais confortável de falar o que quer. Basta lembrar daqueles exercícios feitos pelas empresas de mídia de levar haters da internet para falarem cara a cara com o criticado aquilo que eles falaram nas redes. Eles se arrependem. Não conseguem… Eles percebem o que isso gera no outro. Então vejam… As redes estimulam um tipo de comportamento que a vida real não estimula. Ou pelo menos não estimula tanto.

“A empatia é o combustível que move uma sociedade decente. Sem ela, só restam regras áridas e competições pelo poder”

- Jaron Lanier em Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais

Há tanto a falar sobre empatia, política e redes sociais que eu não vou ter a capacidade necessária e vocês não vão ter o fôlego para ler. Eventualmente pretendo voltar a esse tema, mas, para os fins desse texto, entendo que vale pontuar que a natureza das redes deteriora a sociedade de maneira definitiva quando transpõe os limites do virtual. Então não é um problema de destruir ou prejudicar a plataforma e sim de destruir e prejudicar a sociedade.

A meu ver temos visto essa influência ser cada vez maior nos debates políticos, envolvam eles questões raciais, de gênero, humanitárias ou mesmos as próprias eleições. As premissas de que nas redes “todos têm uma voz ativa”, “têm acesso direto a quem fala” e “não dependem da mídia para se informar” passam um ar democrático que teoricamente seria muito desejável. No entanto, essas premissas muitas vezes são falsas quando vemos que a participação nas redes não se refere a diálogo e sim ao dizer.

É extremamente importante notar que as redes deram visibilidade a quem não tinha e permitem que tenhamos acesso a conteúdos que não teríamos de outra forma. Por outro lado, também é importante ver como os comportamentos estimulados pelas redes solaparam o debate e transformaram o dizer em algo mais importante do que o conteúdo da fala. Não importa o diálogo e sim falar pois, como já vimos, engajamento é sucesso. Compreender, debater, convencer e avançar não.

Transpor o ambiente virtual para o real é extremamente nocivo porque os comportamentos que as redes estimulam são justamente contrários às noções básicas de sociedade e política. Para conviver e fazer política é necessário dialogar e as redes pregam justamente o fim do diálogo. Cada um fala e não precisa ouvir. Quem fala não percebe quem eventualmente ouve e nem o que gera em quem ouve. Cada um procura o que gera engajamento e não o que gera compreensão. Cada tema é condensado e solapado para caber em postagens ou fios de Twitter, nos quais qualquer pessoa pode simplesmente pegar uma parte e descontextualizar ou — algo inerente às redes — desconhecer os contextos e a capacidade daquela pessoa de falar sobre o tema. Isso sem falar nas fakenews, nos robôs e no aproveitamento dos políticos nesse ambiente de extremismo e emoções à flor da pele.

Em suma… O sucesso nas redes sociais é medido por engajamento. O sucesso da sociedade é medido pelo quê?

Enfim! Há muito a falar sobre isso ainda e eu pretendo fazê-lo. No momento, porém, eu gostaria que todos entendessem que as pessoas não são necessariamente assim. As redes sociais que nós temos hoje é que fazem as pessoas se comportarem assim! As plataformas sabem disso! Ganham dinheiro com isso e não pretendem mudar.

--

--